Mulher indo embora

A Esposa de Carreira

Paula tinha 17 anos quando conheceu Felipe, um estudante do último ano de arquitetura. De cara ela enxergou em Felipe um futuro promissor. O rapaz, sabia-se, era de uma família de classe média alta da capital, tinha um carrão e andava pelas ruas com a desenvoltura e a segurança de quem sabe que dificilmente passará por perrengues na vida.

Paula, nunca teve esta certeza. Seus pais eram de origem humilde e com muito sacrifício tinham conseguido comprar uma casinha modesta na periferia da pequena cidade que moravam. Sua mãe era caixa do supermercado e seu pai, orgulhoso de ser concursado, ocupava um cargo administrativo de baixo escalão nos Correios. Sendo a filha mais velha, ela já trabalhava para ajudar nas despesas. Estudava de manhã e fazia meio período numa butique do centro. Foi lá que ela conheceu Felipe.

Felipe precisava comprar um presente e entrou na loja em que Paula trabalhava. Assim que a viu ele se impressionou com aquela moça bonita, de porte altivo e bem-educada. Não esperava encontrar ninguém com esse perfil naquela cidadezinha caipira. Paula o reconheceu de imediato, os bons partidos eram listados nas rodas de amigas e Felipe ocupa o top 5 das tais listas. Ela o atendeu como se trabalhasse na Avenue des Champs-Élysées: com seriedade, postura, eficiência e calculada indiferença. Deu certo. No mesmo dia ele voltou à loja e a convidou para sair.

O namoro foi rápido e eles se casaram tão logo ele se formou. A nova casa foi um apartamento muito confortável no bairro mais tradicional da capital. O casamento tinha todos os ingredientes de um conto de fadas: um rapaz bonito, educado e bem-nascido tinha se apaixonado por uma moça linda, educada e de família pobre. A família do rapaz a princípio torceu o nariz para o casamento, mas ao conhecer o caráter de Paula mudou de ideia e se convenceu que uma moça tão determinada era o que faltava para o rapaz.

Felipe abriu um escritório em sociedade com dois amigos. Como todos eram de famílias influentes em pouco tempo eles conseguiram se consolidar no mercado, conquistando grandes projetos. O dinheiro entrava em grandes somas e Felipe não tinha nenhum rigor com os gastos. Gastava praticamente tudo o que ganhava, se o casal conseguia poupar algum dinheiro era graças a Paula, que economizava nas despesas da casa e frequentemente se informava sobres aplicações financeiras.

Paula estava feliz no casamento, só se aborrecia quando o marido insistia para que ele cursasse uma faculdade. Para ela isso não tinha a menor importância, se realizava tomando conta da casa e do dinheiro. Considerava que fazia parte de uma sociedade, cujo papel era facilitar a vida do marido para que ele não pensasse em nada além de trabalhar. Felipe no fundo concordava com ela e dizia aos amigos que eles formavam uma dupla dinâmica.

Mas não há o que permaneça estável por muito tempo. Quando a crise chegou levando embora os clientes, a relação entre Paula e Felipe passou do conto de fadas ao dramalhão. Felipe se mostrou uma pessoa fraca e insegura para lidar com situações adversas. O dinheiro já não entrava com facilidade e os clientes precisavam ser arduamente conquistados. Era preciso reduzir as despesas e se enquadrar em um novo patamar de consumo, abaixo do que ele estava acostumado. A realidade a princípio o revoltou e depois o deprimiu, nem ao escritório ele ia mais.

Paula o encorajava  o tempo todo, dizia que era apenas uma crise e logo as coisas voltariam ao normal. Só discutiam quando ele insistia em resgatar o dinheiro aplicado. Nestes momentos Paula se mostrava irredutível, para ela era impensável mexer nas aplicações enquanto houvesse espaço para se adaptar à nova realidade. Felipe então perdia a cabeça e urrava que o dinheiro era dele pois, ele havia trabalhado duro, enquanto ela ficava no bem bom em casa. Calmamente, Paula dizia que se o casal tinha uma gorda poupança devia isso a ela, que sempre gastou com consciência e se preocupou em investir o que ele não torrava e que, se não fosse por ela, naquela altura eles já estariam falidos.

Um belo dia Felipe apareceu com um carro novo. Destes, do tipo SUV, e do modelo mais completo. Justificou-se dizendo que seu antigo carro já tinha dois anos e que não ficava bem para ele, um arquiteto renomado, andar por aí de carro velho. Foi a gota d’água! Paula nada disse, apenas entregou-lhe um envelope com os papéis do divórcio. Ao sair puxando a mala fez questão de lembrar-lhe que o novo carro também entraria na partilha dos bens.

Paula podia aguentar muita coisa de homem, menos que ele fosse um cretino, um fraco com forte tendência ao fracasso.