Pecado Capital - A Inveja

A inveja de Érica.

Eu sou a Érica, basicamente sou a irmã mais nova da Elaine. As coisas sempre foram resumidas desta forma.

Elaine chamava a atenção por onde passava. Dona de um porte altivo e de uma autoconfiança à toda prova, as portas lhe eram abertas sem que fosse necessário despender muito esforço. Desde os tempos de escola, Elaine era a queridinha dos professores e a garota mais popular entre os colegas, aquela que brilhava nos esportes e liderava os movimentos. Um caso raro de CDF admirada pela turma. Eu, era apenas a irmã caçula da garota unanimidade. Eu não sentia inveja da minha irmã, mas tinha certeza que os professores jamais iriam gostar de mim como gostavam dela.

Na adolescência tudo piorou, para mim, é claro. Elaine desabrochou, seu físico atlético, aliado à sua alta estatura chamavam a atenção por onde ela passava. Seus gestos eram elegantes e os seus olhos amendoados, ligeiramente verdes, iluminavam seu rosto moreno dourado. Eu, dois anos mais jovem, tenho a pele muito branca, nunca fiquei bronzeada. Meus olhos são azuis bem claros, ou seja, sem graça. E para piorar, sempre fui meio roliça, brigo com a balança desde os 14 anos, e por fim, sou baixinha. Ao lado da minha irmã, sempre me senti inadequada. O patinho desengonçado em contraste com o elegante cisne. Eu não tinha inveja a irmã, isso nunca, Mas, sempre achei que a natureza havia sido mais generosa com ela do que comigo.

Quando entramos para a faculdade, me senti melhor. Cada uma foi para um canto. Minha irmã foi para a área de exatas, se formou com louvor em engenharia mecatrônica e ganhou uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. Na época, eu estava no segundo ano de pedagogia, muito feliz com a profissão que tinha escolhido. Afinal, sempre adorei crianças.  Meus pais ficaram muito orgulhosos da minha irmã. Eu não senti inveja ou ciúmes, amava a minha irmã, mas me senti aliviada quando ela se mudou para o exterior.

Elaine nunca mais voltou ao Brasil. Ela completou os estudos e recebeu várias propostas de trabalho. Priorizou a sua carreira e é muito bem sucedida. Ainda não se casou e parece não levar os relacionamentos muito à sério, embora tenha um séquito de admiradores por onde passa. Eu, me casei há dois anos com o meu primeiro namorado. Realizei o sonho de ter a minha própria escola de educação infantil. Posso dizer que sou feliz. Não completamente, porque ainda não consegui engravidar, ainda que tenha feito várias tentativas de inseminação.

Numa manhã de agosto minha mãe telefonou dizendo que Elaine chegaria no final da tarde. Assim, de supetão e, segunda ela, com uma bomba. Passei o dia todo apreensiva. Não era do feitio da minha irmã este tipo de atitude. Elaine era muito pragmática. Fazer surpresas não combinava com ela. Tinha algo estranho nesta visita inesperada. Contudo, eu teria que esperar até a noite para saber.

Chocada! Revoltada! Indignada!  Assim eu fiquei quando pus os olhos na minha querida irmã. Eu poderia imaginar tudo, menos que Elaine estivesse grávida. Grávida! Como assim? Ela nem sequer tinha um relacionamento fixo. Jamais demonstrou qualquer interesse por crianças. Sempre deixou claro que a sua prioridade era a carreira. E agora, aparecia do além, esfregando esse barrigão na minha cara. Isso era muito injusto e cruel. Por que tudo era tão fácil para ela? Eu senti muita raiva e muita inveja, mais do que isso, senti vontade de socar a cara dela até me cansar. Não apenas não fiz nada disso, como também sorri e a abracei.

No dia seguinte Elaine me procurou. Marcamos um almoço e, aí sim fui surpreendida. Elaine me disse que tinha engravidado de um rapaz com o qual havia se relacionado por pouco tempo e que nunca teve a menor intenção de criar aquela criança, pelo contrário, para o meu horror, confessou que havia pensado seriamente em fazer um aborto. Só não o fez porque na última hora a formação católica falou mais alto. Por isso, ela havia decidido entregar o bebê para a adoção assim que nascesse e que por mais que pensasse, não conseguia encontrar pessoa melhor do que eu para criar, amar e educar aquela criança. Fiquei pasma. Fiquei feliz. Fiquei lisonjeada. Fiquei indignada. Tudo ao mesmo tempo.

Elaine continuou falando, me disse que eu era um exemplo de ser humano. Que eu era uma mulher doce, caridosa, sensata e amorosa, em resumo, tudo o que ela não era.  Disse mais, disse que não só sentia inveja de mim, como também tentava, às vezes, imitar o meu comportamento. Mas, que quase nunca conseguia porque havia um fogo que lhe consumia por dentro.

Minha ficha caiu. Quanto tempo eu desperdicei sentindo inveja da minha irmã que me invejava. Quanto sofrimento eu poderia ter me poupado, se fosse mais confiante, se acreditasse nos meus talentos e se tivesse evitado comparações. Aliás, não existe nada mais inútil do que se comparar a outra pessoa.  A lição que eu aprendera e que por conseguinte, me comprometia a ensinar ao nosso filho, é que o mundo é feito de pessoas diferentes, cada qual com seus valores e defeitos. Em suma, para não mais me esquecer passei a repetir este “mantra” com frequência: o mundo é feito de pessoas diferentes.