Mulher oriental bonita

A Sabedoria da Batchan

Midori trabalha no mesmo banco há 15 anos. Ocupa uma gerência média no escritório Central e leva uma vidinha bem mais ou menos. Não gosta de festas, não se sente à vontade com desconhecidos e tampouco dá abertura para  intimidades. Um tipo bem estranho, segundo seus colegas de trabalho. Talvez o responsável por sua introspecção seja o sangue japonês de sua batchan, que corre em suas veias mais forte do que ela imagina.

Solteira e perto do 40,  ela tem como companhia constante George, um gato persa. Com ele Midori  sente que está bem acompanhada e segura. Os outros “gatos” lhe dão mais trabalho que prazer e, segundo ela, não vale a pena levar um porco para casa só por causa da linguiça. E assim ela não namora, apenas “fica” enquanto é prazeroso.

Sua vida transcorria dentro dessa normalidade até que um dia um telefonema mudou tudo. Sua avó, sua querida  batchan, tinha falecido. A notícia tirou seu chão. Muito embora dona Fumiko fosse quase centenária, Midori não estava preparada para a sua partida. Apesar do físico franzino e do português ruim, a velha senhora dirigia com mão de ferro o sítio onde morava e plantava chá. Era admirada e respeitada não só pela comunidade japonesa, como por todos que a conheciam e faziam negócios com ela.

Enquanto Midori dirigia rumo ao cemitério, um filme da infância e da adolescência passava na sua cabeça. Como neta mais velha, ela teve por alguns anos a oportunidade de ter a avó só para si. Com ela aprendeu a cozinhar, a costurar e a cultivar o chá. Aprendeu sobre a colheita do chá branco e do chá verde, assim como seus incontáveis benefícios para a saúde e longevidade.

Nem bem estacionou o carro, seus pais, irmãos, tios e primos vieram ao seu encontro. Todos falando ao mesmo tempo sobre um advogado que dizia ser o representante da vontade da velha senhora. Ainda anestesiada pela perda, Midori também estranhou que sua avó tivesse um advogado, mas não deu importância ao fato, tudo o que ela queria era se despedir de sua batchan. Mas, assim que a viu o advogado veio ao seu encontro. Se apresentou com um aperto de mãos firme e informou que após o funeral, lá mesmo no cemitério, ele daria inicio à leitura do testamento, como era vontade de sua cliente.

Diante de olhares perplexos o advogado leu uma carta simples, curta e objetiva que sem deixar margens para dúvidas ou contestações informava que a última vontade de dona Fumiko era que sua neta mais velha, Midori, assumisse o sítio e desse continuidade ao negócio do chá. Mais, ela seria a responsável pelo bem estar da família, que a partir daquele momento seria sócia na empresa. E mais, o sítio não poderia ser vendido, arrendado ou abandonado sob nenhuma hipótese.

A notícia caiu como uma bomba sobre a cabeça de Midori e de todos os parentes que  já sonhavam com a partilha das terras.  Sua batchan havia enlouquecido, pensava ela em desespero. Só podia ser isso. Como ela iria largar seu emprego estável, seu apartamento e sua vida na cidade grande para se meter na roça, plantando chá? Isso não iria dar certo. Não era isso que ela queria fazer. Mas, não havia o que contestar. Sua avó quando fez o testamento estava lúcida, com total domínio de suas faculdades mentais. Assim atestavam os laudos de três psiquiatras anexados ao documento.

Como o que não tem remédio, remediado está. Midori pediu demissão do banco, alugou seu apartamento e mudou de mala, cuia e George para a roça. Ela estranhou um pouco nas primeiras semanas, depois achou o máximo negociar com clientes e fornecedores e por fim, teve certeza que não conseguiria mais viver sem sentir o cheiro da terra e das folhas de chá recém colhidas.  Em pouco mais de um ano da partida de sua avó os negócios prosperaram, alguns contratos de exportação foram fechados e toda família estava satisfeita com os dividendos recebidos.

Midori estava exuberante. Sua pele tinha adquirido um viço que jamais tivera e o olhar readquirido o brilho da adolescência. A velha senhora com toda a sua sabedoria havia intuído que o lugar de sua neta primogênita era junto à natureza, onde ela podia ser livre e exercer sua natural liderança.