Ártemis, a livre.

A aparência de Ártemis era um desgosto para sua mãe, uma mulher simples, muito feminina e sempre bem arrumada, embora dispusesse de poucos recursos financeiros. Entretanto, a filha era o oposto, desde os dois anos de idade ela se recusava a vestir os delicados vestidinhos que sua mãe comprava, fazia birra e não abria mão do seu uniforme predileto: camiseta e shorts, de preferência descalça. Suas brincadeiras favoritas eram de correr, pular, subir e descer de muros e móveis. Não à toa, seus amiguinhos eram, na imensa maioria, meninos.

A pequena Ártemis era, definitivamente, um ser livre.

Na adolescência, nada mudou. Perfumes, maquiagem, esmaltes, salto alto, nunca estiveram no seu radar, ao contrário, as “feminices“ de suas primas e amigas não apenas a irritavam, como provocam desprezo.

O tempo passou e Ártemis continuou fiel ao seu estilo de vestir e pensar. Teve poucos e breves namorados, não que se importasse com isso. Ela achava ridículo aqueles moleques se exibindo, querendo mostrar para as meninas que eram fortes e competitivos. Na opinião dela, meninos e meninas eram iguais e pronto.

Ártemis preferia mil vezes a companhia de seus cachorros à convivência com seus colegas fossem eles homens ou mulheres. Ela simplesmente não tinha paciência para conversa fiada. Gostava de imaginar que tinha uma fazenda cheia de animais, um lugar onde ela sentia o cheiro da terra e era livre.

Quando se formou em medicina veterinária, ela realizou pelo menos em parte o seu sonho adolescente. Não se tornou fazendeira, mas foi trabalhar num haras no interior do Estado. A vida estava do jeito que ela sempre quisera: ninguém para implicar com seu jeito de vestir ou sua falta de delicadeza; era respeitada profissionalmente e amava os cavalos. A vida simples do campo lhe fazia muito bem. Ártemis estava mais saudável e corada, feliz pelas escolhas que fizera. Só o seu coração ainda não tinha dono, mas não por muito tempo.

Rodrigo surgiu na sua vida como um tufão. Um cara bonito, forte, inteligente e meio rústico. Ele era do sul do país, criado na roça, não tinha frescuras. Formado em administração rural e agronegócios, fora contratado para administrar o haras. Mas, ele não se limitava às funções administrativas, se fosse necessário consertar uma cerca, ele consertava. Se fosse preciso dar banho num cavalo, ele dava. Era tão seguro e autoconfiante que nenhuma tarefa tida como menos glamourosa, diminuía o seu charme, ao contrário. Ártemis tão logo o viu em ação, ficou de quatro. Jamais tinha sentido nada parecido por ninguém. A iniciativa partiu dela, o convidou para uma cavalgada num fim de tarde e, na pausa estratégica para descansar, o beijou.  Naquele mesmo instante começaram a namorar.

Rodrigo era tudo o que ela esperava de um homem: companheiro, viril, amava a aventura e o perigo. Assim como ela, gostava de ser livre. Se faziam tudo juntos era por prazer e não por obrigação. Vez ou outra, quando iam jantar fora ou ao cinema, ele sugeria que ela se arrumasse um pouco, passasse um batom, soltasse os cabelos castanhos, fartos e exuberantes.  Ártemis até que gostava destes toques, pois era tão desligada destes assuntos femininos que às vezes extrapolava no relaxo.

Um dia, Rodrigo chegou da cidade com um presente e um convite. O convite: era aniversário de sua avó, toda família estaria reunida e ele gostaria que ela fosse com ele. O presente: um vestido florido, um par de sandálias de salto alto e um kit de maquiagem. Ártemis agradeceu pelo convite e pelo presente, que fez questão de devolver na mesma hora. Disse a ele que desde os dois anos de idade não aceitava ser vestida ou penteada por ninguém e disse mais: disse que gostava muito dele, mas muito mais de si, e que não estava interessada em só tornar outra pessoa para agradar quem quer que fosse.

No dia da festa os parentes se perguntavam quem era aquela moça bonita que estava com Rodrigo. Simpática e naturalmente elegante, vestindo jeans e camiseta, com scarpins de salto alto. Uma cabeleira castanha lhe caia pelas costas, em suaves ondas, lhe dando um ar de guerreira.

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