Se tem uma coisa de que Bárbara entende é de contratempos. Desde de criança, a cada curva do seu caminho tinha sempre um obstáculo a lhe causar maior ou menor sofrimento e eles foram muitos e constantes.
Para tentar se proteger, ela desenvolveu uma espécie de alarme para situações de perigo. Funcionava assim: se um período de calmaria e felicidade se prolongasse por muito tempo, Bárbara já ficava atenta pois com toda a certeza logo viria um aborrecimento, um dissabor. Por causa dessa “certeza” sentida e pressentida ela nunca esteve efetivamente feliz, havia sempre a ameaça de uma tempestade prestes a desabar.
Com o tempo Bárbara tornou-se uma mulher desconfiada e certa da sua sina. Desenvolveu a crença de que não tinha vindo nesta vida para ser feliz, achava que nesta encarnação teria que fazer o resgate de tudo o que tinha feito de mal em vidas passadas. Como estava sempre preparada para o pior, ela aprendeu a desenvolver planos para sair das situações dolorosas, de preferência com mais de uma alternativa.
Um dia não veio uma tempestade, veio um tornado. Bárbara se preparava para dormir quando o telefone tocou, depois do seu alô automático, uma voz desconhecida e vacilante informou que seu filho havia sofrido um acidente de carro e, em estado gravíssimo, havia sido removido para o hospital. Por pouco ela não desmaiou, sua boca abriu e fechou sem que ela conseguisse formular uma palavra, seus joelhos tremeram, seu estomago embrulhou. A voz, já não mais vacilante, deu instruções que ela não entendeu. Seu cérebro enlouquecido buscou os planos A, B ou C para sair daquela situação. Não havia. Jamais tinha passado pela cabeça dela que uma tragédia poderia acontecer ao seu filho.
No hospital o médico explicou que Bruno fisicamente apresentava alguns ferimentos que estavam sendo tratados, porém ele havia dado entrada na emergência já em estado de coma e, como sempre acontece nestes casos, ele não poderia precisar quando e se o rapaz voltaria à consciência. Parecia um horror sem fim, as más noticias se sucediam sem que ela pudesse fazer algo para evitá-las.
Alguns meses se passaram e Bárbara não arredou o pé do lado do filho, segurou a mão dele dia e noite, pediu perdão inúmeras vezes pelo ocorrido. Ela sabia que a culpa era dela, estava no seu destino sofrer e desta vez o sofrimento viera de forma avassaladora, atingindo a pessoa que ela mais amava. Pela primeira vez ela não sabia como enfrentar a situação. Tentou rezar, entretanto seu Deus lhe pareceu distante e cruel.
Numa manhã de setembro, Bruno abriu os olhos e pediu comida. Olhou para a mãe e sorriu. Bárbara caiu de joelhos e agradeceu, esquecendo a pinimba com Deus. Seu filho estava a salvo e era isso que importava. Nos dias seguintes Bruno lhe contou que estivera num estado de semiconsciência, ele ouvira tudo ou a maior parte do que havia sido dito naquele quarto, mas não tinha capacidade de reação, disse ter ouvido a mãe se culpar pelo acidente e aquilo não fez sentido para ele. Bárbara então lhe contou que o filho tinha sido apenas o instrumento de mais um período de sofrimento que era cíclico na sua vida e que, portanto, a culpa do acidente era dela.
Bruno quis entender a estranha lógica de sua mãe e quando ela explicou, dando inúmeros exemplos, ele simplesmente balançou a cabeça, em sinal de discordância e começou a falar sobre o poder da atração, energia quântica, na força das crenças e dos pensamentos. Segundo ele, sua mãe havia se condicionado a sofrer e a incentivou a procurar uma terapia. Descrente, mas achando que devia isso ao filho ela concordou.
Um longo caminho foi percorrido até Bárbara encontrar a si própria e a sua essência. A resposta para sua crença destruidora veio na forma de um insight. Como se assistisse a um filme ela reviveu as inúmeras vezes que ouviu a frase: quem muito ri, muito chora. Lembrou-se de como, ainda criança, passou a temer ficar alegre e depois chorar e então se deu conta de que a sua avó materna repetia constantemente esta mesma frase. Certamente, como se fosse um dogma, esta “verdade” foi proferida sucessivamente ao longo das gerações da sua família. Talvez por viveram em épocas de poucos direitos e total submissão aos homens, suas antepassadas tinham a convicção de que as mulheres vinham ao mundo unicamente para sofrer.
Foi preciso um homem, seu filho, alertá-la sobre o terrível dogma que a atormentou e às suas ancestrais.
Hoje, Bárbara sabe que as tempestades continuarão a surgir. Não serão mais uma punição pelos momentos alegres, os contratempos fazem parte da vida, lembrar disso é um exercício diário. Mas, como a santa de seu nome, ela está disposta a dominar os raios e os trovões e lutar pela felicidade que sabe que merece.