Clarissa Pinkola Estés em seu livro Mulheres que Correm com os Lobos, pergunta: “E então, o que é a Mulher Selvagem?” E ela mesma responde: ” Ela é a origem do feminino. É tudo o que for instintivo, tanto do mundo invisível, quanto do oculto – ela é a base. Cada uma de nós recebe uma célula refulgente que contém todos os instintos e conhecimentos necessários para a nossa vida…. Ela é ideias, sentimentos, impulsos e recordações.”
De todas as mulheres de minha família, daquelas que eu conheci, a que mais tinha aflorada a sua Mulher Selvagem era, sem dúvida, a minha avó paterna.
Uma mulher simples, sem instrução, porém de uma enorme sabedoria instintiva. Era uma benzedeira de mão cheia, tinha uma intuição extremamente apurada, cuidava da família, de um jeito um tanto rude, mas muito sincero.
Com toda a certeza ela não era a vovozinha clichê, aquela que conta historinhas para os netos, que tricota pacientemente na sua cadeira de balanço, que sempre tem uma palavra de consolo e um colo aconchegante.
Aliás, pelo contrário, ela se assemelhava muito a uma loba; “robusta, plena, com grande força vital, que dá a vida, que tem consciência do seu território, engenhosa, leal, que gosta de perambular.” Assim era a minha vó Joana.
Infelizmente nos separamos antes que eu pudesse ter consciência da evidente presença da mulher selvagem nela. E quando comecei a sentir uma forte necessidade de valorizar a essência da minha alma feminina, minha avó já tinha partido para a outra dimensão e eu não pude usufruir dos seus conhecimentos. Uma pena, eu queria saber benzer, queria saber curar com ervas medicinais, queria saber fazer banhos de proteção… e tantas outras coisas.
Todavia, tudo tem o seu tempo. Cada mulher tem o seu momento de retomar os vínculos com as sua fonte de origem, com seus instintos e com os seus ciclos.
O meu momento se iniciou há uns dez anos. Foi quando comecei a me sentir sem energia para continuar levando a vida como ela estava. Eu comecei a sentir uma enorme vontade de criar e também de cuidar da minha casa e da minha família. Já não tinha mais paciência para o mundo corporativo com seus jogos de intriga e de poder.
Não por acaso, descobri o livro Mulheres que Correm com os Lobos. Não me lembro como ele caiu nas minhas mãos, só me lembro que quando eu o li pela primeira vez não assimilei sua profundidade. Tempos depois eu o li novamente e aí sim o compreendi de fato, mas ainda não totalmente.
Depois deste livro, outros tantos vieram, com abordagens diferentes mas com o mesmo teor, o resgate da essência feminina.
Nos dias de hoje, muitas mulheres sofrem com depressão, medos, fragilidade, bloqueios e falta de criatividade, para Clarissa Pinkola Estés, psicóloga junguiana, esses sintomas aliados ao acúmulo de funções na família e na vida profissional, são o resultado de uma cultura que transformou as mulheres numa espécie de animal doméstico.
A saída para uma vida mais plena, segundo a psicologa e autora, é o resgate de um passado distante onde as mulheres se identificavam com o arquétipo da Mulher Selvagem. Eu acho que ela está certa.
Quando uma mulher toma consciência do seu verdadeiro potencial e da sua força, ela também entende que homens e mulheres são seres diferentes que se complementam. Para essa mulher fica claro que a luta pela igualdade de direitos é um exercício diário de posicionamento e não um conjunto de frases de efeito lidas e repetidas a esmo.