Mulher jovem, negra e linda

Mães e Filhas

A relação de Fabiana com a sua mãe nunca foi das melhores. Uma questão de compatibilidade de gênios. Fabiana desde pequena sempre foi curiosa, queria saber o porquê de tudo. Esperta, prestava atenção na conversa dos adultos, sorvendo cada palavra, para depois tirar suas próprias conclusões, e as tirava. Ao compartilhá-las com sua mãe ouvia sempre o mesmo sermão: onde já se viu criança se metendo na conversa de adultos? Em seguida era colocada de castigo para pensar e ela, pensava. Pensava que era injusto estar ali só porque queria saber das coisas.

Com o seu pai era diferente, ele estimulava sua inteligência com jogos e charadas, lhe dava muitos livros. Gostava de conversar com ela, queria saber das coisas da escola e contava sobre o seu trabalho. O problema é que ele quase nunca estava em casa, era um respeitado cardiologista e praticamente morava no hospital. A maior parte do tempo Fabiana passava mesmo era com sua mãe, com quem simplesmente não tinha diálogo.

A adolescência de Fabiana foi particularmente complicada. Sua mãe tornou-se impossível, criticava tudo o que ela fazia e a chamava de arrogante sempre que era contestada. O pai, ela quase não via. Irmãos, ela não os tinha. Os colegas da escola não compartilhavam dos seus interesses. Fabiana se sentia só e diferente, uma alienígena no seu próprio mundo. Os livros eram a sua válvula de escape. Lia de tudo, de romances de bolso a biografias de personalidades. Não tinha preconceitos, seus interesses eram diversos e ela procurava extrair conhecimento de qualquer fonte. Ela achava simplesmente fascinante saber das coisas e quanto mais sabia, mais sentia que  nada sabia.

Um dia um professor falou de uma renomada universidade americana que aplicava o conceito de currículo aberto, uma proposta que facultava ao aluno a montagem da sua grade curricular. Fabiana achou que isto era perfeito para ela, que embora já houvesse se decidido pelo curso de economia, tinha interesse também por psicologia, história das civilizações antigas e marketing. Na mesma hora ela decidiu que iria estudar naquela universidade. Sua mãe surtou: era muito longe, muito caro e a tal flexibilidade lhe pareceu uma bagunça. Seu pai a apoiou, embora timidamente.

Hoje, com 42 anos, Fabiana é doutora em economia e leciona numa das mais conceituadas universidades dos Estados Unidos. O ambiente acadêmico exige que ela continue estudando, sempre. Seu pai já faleceu e sua mãe mora com ela. Não há um único dia em que a mãe não se lamente pela filha egoísta que teve, uma pessoa que só se interessa pelos seus livros. Fabiana apenas sorri e não diz nada, há muito tempo ela aprendeu que as relações entre mães e filhas nem sempre são de amor incondicional e doação. Mas, mesmo assim são mães e filhas.

 

 

2 thoughts to “Mães e Filhas”

  1. Que delícia ler um texto claro com conteúdo interessante e bem escrito. Todas somos um pouco a Fabiana.

    1. Você tem razão, somo todas um pouco Fabiana e um pouco das outras também. Um mix de desejos, sonhos e vontades. É isso que nos faz tão complexas e interessantes! Muito obrigada pelo seu comentário, continue nos acompanhando.

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