Em meio aos véus do tempo e das tradições antigas, duas deusas emergem como fogo vivo na alma feminina: Sekhmet e Kali. Não são divindades suaves ou complacentes. São tempestades em carne divina, expressões arquetípicas da ira sagrada — uma força que destrói não por crueldade, mas por amor à verdade e à transformação.
Segundo a renomada psiquiatra junguiana Jean Shinoda Bolen, essas deusas não representam apenas a fúria, mas a ira que cura, liberta e regenera. Em um mundo que muitas vezes silencia a raiva feminina, Sekhmet e Kali são clamores ancestrais por justiça e renascimento.
Sekhmet: a Leoa Flamejante do Egito
Sekhmet, a “Poderosa”, surge das areias do Antigo Egito com a cabeça de leoa e o coração em chamas. Ela é a deusa da guerra, da justiça e da cura profunda. Entretanto, sua fúria é justa, e seu rugido ecoa contra os abusos, as opressões e a mentira. Para Jean Shinoda Bolen, Sekhmet simboliza o arquétipo da raiva que desperta a consciência, que incendeia o velho para restaurar o equilíbrio.
Na alma feminina, Sekhmet se manifesta como o grito que não pode mais ser calado — a raiva legítima que rompe as amarras, que não teme destruir para reconstruir. Sua presença é certamente o chamado à ação, à coragem de se posicionar, de curar-se com o próprio fogo.
Kali: a Noite Escura que Dá à Luz
Kali, deusa hindu da destruição e da criação, dança entre os mortos com a língua vermelha e o olhar feroz. Sua imagem pode assustar, mas nela reside a sabedoria da morte necessária. Kali destrói o ego, arranca as máscaras e nos devolve à essência selvagem, nua de ilusões.
Jean Shinoda Bolen vê em Kali o arquétipo do renascimento. Ela é a ira da alma que se recusa a permanecer aprisionada. Sua fúria não é vingança, mas liberação. É o fim da mentira interior, o colapso das estruturas que já não servem. Em seu rastro, floresce uma nova vida — mais livre, mais verdadeira.
A Ira Feminina como Força de Cura e Transformação
Para além dos mitos, Sekhmet e Kali habitam a psique de todas as mulheres (e homens) que ousam sentir profundamente. Jean Shinoda Bolen nos lembra que a raiva, quando reconhecida e integrada, é uma aliada da alma. Ela aponta onde dói, onde há injustiça, onde algo precisa morrer para que algo novo possa nascer.
Neste tempo de despertar coletivo, invocar Sekhmet e Kali é honrar o fogo interior que pede passagem. É permitir que a fúria se transforme em luz, que a destruição abra caminho para a cura. Contudo, não há renascimento sem caos, nem verdade sem coragem.
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